sexta-feira, 30 de março de 2012



Pés de cera
Em chão quente
não anda
Desliza
Desenha
Derrama.
Já não adiantava mais procurar. Foi embora. Deixou tudo, livros, discos, cartas, roupas, fotografias, poesias e esperança.
A princípio pensava que era passageiro, todos precisam de um tempo, espaço, novos ares, mas o vazio era tão profundo que o fio que a alimentava quase já não a alcançava.
Tudo estava ali, não do jeito que ela deixou ao partir, mas estava.
Todas as lembranças, cada momento transcendido permanecia vivo em algum lugar daquele corpo, mas ela partiu levando consigo a fonte de onde tirava sua força para viver e encarar a realidade, essa dos dias que se seguem em um calendário ordinário.
Quando eram uma só pessoa, a realidade era inventada e o tempo era música, compassada, contra-tempo. De lá a sol, sem dó, nem ré. De suspiros sustenidos.
Agora não era nem metade, apenas um corpo a mover-se de teimoso, a olhar para o tudo e ver nada, a fazer contas ao final do mês e se espantar com o preço do tomate na feira.
Uma noite ou outra ela se lembra da vida passada e implora: "Volta, alma, para esse corpo que abandonaste, sinto tua falta".
E não dorme a noite inteira.

Menina



Brinca, menina, brinca.
Roda ciranda,
Passe seu anel.
Conte segredos no papel.
Dança, menina, dança.
Gire sua saia,
Que a música não pára
E alegria é coisa rara.
Ama, menina, ama.
O coração não é de ferro.
Deixe a flor no cabelo
E um beijo vermelho marcado no espelho.
Sonha, menina, sonha.
Não acorde, nem deixe os pés tocarem o chão.
Pois em vão são esses dias acordados
A lhe puxar pela mão.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Vende-se Felicidade



Vende-se felicidade nas esquinas em tarja preta com a promessa de alívio a médio prazo de seus medos, tremores, angústias e tristezas.


Vende-se felicidade nas esquinas em tarja preta, com a promessa de te livrar do TOC ao toque, de suas fobias sociais ou de solidão, de suas frustrações.


Vende-se felicidade nas esquinas em tarja preta, que te causam cefaleia, tonturas, vômitos, pruridos, letargia, anorexia, compulsão, agressividade, perda da libido, insônia, sonolência, diarreia, fraqueza, ansiedade, movimento involuntário anormal, zumbidos, rigidez, sensação de desrealização, comportamento hostil, síncope, sudorese, exantema, parestesia, anormalidade dos sonhos, distonia, hiperprolactinemia, acatisia, depressão.
Vende-se legalmente, felicidade nas esquinas em tarja preta.


"Coma o mingau pelas beiradas, senão você queima a boca, menina". Dizia a mãe quando ela era criança.


E cresceu assim, comendo pelas beiradas, temendo o calor de tudo. Beijava pelas beiradas, banhava pelas beiradas, amava pelas beiradas, viva pelas beiradas, à margem de tudo, à margem do tempo, da vida.


Não gostava de tempestades, de sol do meio dia, do frio do meio do ano, nem do meio da noite. Do mar então, fugia. Piscina funda não entrava, Filosofia não encarava, tudo era raso, morno em seus dias.
Nunca morreu de rir, nunca chorou até desidratar, nuca se deu ao desfrute de se entupir de chocolate ou sorvete, nunca bebeu, nunca fumou, fumaça era pesada demais pra ela.
Não chegava atrasa, não pedia a palavra, não sabia o que era falta de ar, nem taquicardia, nem tremores, nunca se enfurecia...
Até o dia em que se olhou no espelho pela primeira vez, se olhou mesmo, se encarou e sua imagem refletida não fazia os mesmo movimentos que os seus. Lentamente suas mãos saíram de dentro do espelho e, fortes e decisivas, a estrangulou, apertava, apertava...
Sentia cada osso sendo esmagado, o ar que não entrava, o sangue a estancar em seu rosto, o corpo a tremer, a vista a turvar... Acordou.
O sol já estava alto, o relógio parado... Comeu mingau quente às colheradas.


"A vida se encontra debaixo do Sol." - foram as últimas palavras de uma pequena mudinha de uma planta que teve a tristeza de ser semeada embaixo de uma frondosa árvore.


Vez ou outra é tomada de uma fúria imensa, de uma raiva que não cabe no peito e escorre pelos poros, pelos olhos ou pelas coisas jogadas janela a fora...


Raiva de tudo que a cerca, das pessoas, dos olhos e da falta de olhar, das palavras desperdiçadas e da falta delas em momentos precisos, das idiotices que não deviam causar nada, só desprezo, mas é impossível desprezar nessas horas.


Raiva de futilidades, vaidades, altivez e até da humildade exacerbada, glorificada em dias atuais por pessoas que nem sabem o significado da palavra, aliás, a ignorância é uma coisa que lhe causa raiva nesses dias.
Raiva dos espelhos, do escuro profundo e da claridade excessiva, de vozes altas, de ruídos, do movimento acelerado das coisas.
Raiva de perder tempo, de olhar para o portão, de olhar suas mãos, os novos desenhos de seu rosto.
Raiva das próprias vontades, do desejo de distanciamento e da ânsia por estar perto, sentir o cheiro.
E chora, deixa escorrer na falsa esperança que tudo passe e não volte mais.
E acorda, coloca os pés no chão e anda como se não tivesse dor, afinal é um outro dia, mesmo que nada mude ou tudo mude.


De alma silenciosa...


Como se tudo o que cerca não tivesse sentido.


Alguns esperanças desfeitas, outras nascendo, mas ainda sem formas.


Tudo desforme, sei que nem tudo precisa ter forma pra existir, mas letras embaralhadas não tem sentido, ou então sou eu que não sei ainda montar as palavras necessárias.


Falta inspiração e também expiração...sobra exasperação.


As cores que vejo agora são artificiais...






Eis momento que eu realmente estou onde não devia.