quarta-feira, 21 de março de 2012



"Coma o mingau pelas beiradas, senão você queima a boca, menina". Dizia a mãe quando ela era criança.


E cresceu assim, comendo pelas beiradas, temendo o calor de tudo. Beijava pelas beiradas, banhava pelas beiradas, amava pelas beiradas, viva pelas beiradas, à margem de tudo, à margem do tempo, da vida.


Não gostava de tempestades, de sol do meio dia, do frio do meio do ano, nem do meio da noite. Do mar então, fugia. Piscina funda não entrava, Filosofia não encarava, tudo era raso, morno em seus dias.
Nunca morreu de rir, nunca chorou até desidratar, nuca se deu ao desfrute de se entupir de chocolate ou sorvete, nunca bebeu, nunca fumou, fumaça era pesada demais pra ela.
Não chegava atrasa, não pedia a palavra, não sabia o que era falta de ar, nem taquicardia, nem tremores, nunca se enfurecia...
Até o dia em que se olhou no espelho pela primeira vez, se olhou mesmo, se encarou e sua imagem refletida não fazia os mesmo movimentos que os seus. Lentamente suas mãos saíram de dentro do espelho e, fortes e decisivas, a estrangulou, apertava, apertava...
Sentia cada osso sendo esmagado, o ar que não entrava, o sangue a estancar em seu rosto, o corpo a tremer, a vista a turvar... Acordou.
O sol já estava alto, o relógio parado... Comeu mingau quente às colheradas.

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