Desejo ser acometida de repente
De um amor de mansinho
Que aos poucos desvasta corpo e coração
Que pula de precipícios,
Pois sabe que de mansinho voam entre as nuvens.
E de mansinho o fogo é alimentado e consumido.
De mansinho se deita de lado para devorar os olhos.
E na vastidão de nossas almas
De mansinho reconhecer-se sem palavras.
quarta-feira, 18 de abril de 2012
E o novo de novo
E o que foi leve pode ser pesado, ter o peso do infinito que te suga pra lugar nenhum, mas muito profundo...E o que foi riso se transformou em pensamento, sempre profundo...E o que foi grito pode se transformar em silêncio profundo...E o que foi cores em escuro profundo...E o que foi criança em mulher com desejo profundo...E o que era corpo em fumaça de cheiro profundo...
terça-feira, 17 de abril de 2012
Paredes Azuis
É lá que ia todos os dias. Ruas sujas, cheiro de esgoto, principalmente em época de calor, quando o cheiro e o mormaço subiam do asfalto e penetravam o corpo. Mas já estava acostumado.
Abria o portão e tudo mudava. O cheiro, as cores, o clima. Havia flores o ano inteiro, era fresco e o perfume que exalava o inebriava.
A porta estava sempre aberta, tudo sempre no mesmo lugar. Paredes azuis, quadros reproduzindo obras nunca vistas, meticulosamente dispostos nas paredes. Tudo muito limpo, preciso, exato.
Chegava sempre à mesma hora, sentava-se e esterava exatos sete minutos quando ela aparecia e lá permanecia por exatas quatros horas.
Toda precisão, toda rotina, eram quebradas durante esse tempo em que o próprio tempo era esquecido.
Um dia ela aparecia como uma santa, anjo iluminado e voavam juntos entrelaçados.
Outro dia aparecia como viúva, toda de negro, profunda e juntos choravam a morte que devia ser chorada, enterravam o que havia de ser enterrado e sofriam a dor desse luto eterno.
Outro dia aparecia como o demônio e o possuía, devorava, corpo e alma que ardiam com o fogo que saía de sua boca.
Outro dia aparecia como puta, entregando seu corpo, sem beijo, sem alma, objeto pago e cobrava alto.
Outro dia aparecia muda, apenas seus gestos falavam e dançavam, sorriam, se tocavam.
Outro dia aparecia e se falavam, falavam até esgotarem as palavras e continuarem repetindo as palavras antes ditas.
Outro dia aparecia furiosa, selvagem, quebrava as coisas, batia-lhe a face, xingava, mordia-lhe, arranhava-lhe o corpo todo.
Outro dia aparecia e se pintava, todo seu corpo, o corpo dele, as paredes, o chão e no outro dia tudo estava no lugar como antes, mas não ela.
Outro dia aparecia e apenas dormia e sonhava que era criança a querer colo, a soluçar um choro de joelho ralado na rua.
Outro dia aparecia se cortava e ele bebia-lhe o sangue que escorria.
Outro dia aparecia e se olhavam, sem piscar, a desvendar todos os segredos expostos em seus rostos.
E assim eram os seus dias, à mesma hora percorria as ruas sujas daquele lugar, abria o portão e entrava em um mundo do qual não sabia o que esperar a não ser as paredes azuis.
terça-feira, 3 de abril de 2012
O corpo é meu!
Grita a alma.
Corpo trêmulo
E a alma nega.
Coração acelera
E a alma nega.
O ar é escasso
E a alma nega.
A visão turva
E a alma nega.
O choro é iminente
E a alma nega.
O medo aumenta
E a alma nega.
O corpo anseia a morte
E a alma nega.
Um instante, uma eternidade.
A alma cansada
A alma se acalma
A alma não se entrega.
Balzaquiana? Talvez.
Se olha no espelho todas as noites por puro narcisismo, ou não, depende da noite. Mexe nos cabelos, se despenteia, se arruma, sorri, sabe de cada linha que o tempo esculpiu. Os olhos fundos de insônia, furos de uma rebeldia tardia no canto da boca. Só não gosta de se ver quando chora, pois verdade demais machuca, mas gosta do olhar triste que é frequente.
Não é bem resolvida com o corpo, mas isso é segredo. Porém não se envergonha da nudez, conhece seu corpo, da dor ao prazer e adora sexo. Pudores? Não sabe se tem.
É calada com a maioria das pessoas, mas adora discursos polêmicos e chega a ser esnobe em certas ocasiões.
Mas é só encontrar uma alma parecida para se transformar em menina, confiança, cumplicidade...
Queria ter alma de artista, teima em transformar tudo em poesia, mas é melhor admiradora que poeta.
E tudo é intenso e muita coisa efêmero, fugaz, outras ela cativa propositalmente pois depende delas para viver. Egoísta, mas altruísta.
Tem fé, mas não tem credo.
É mãe a descobrir o que é ser mãe.
Ama, ama, ama, ama, em todas as suas formas. E sofre.
Tem poucos segredos. Sonha o dia todo, mas tenta não dar margem às ilusões.
Acredita em pessoas, mas não na humanidade, sim, é confusa.
Ainda fica indignada com muitas coisas.
Vê beleza onde quase ninguém vê, vê sentido onde não tem sentido, talvez invente, mas o que é belo é por ser e ponto.
Já brigou, discutiu, quebrou coisas, se afastou de pessoas que amava sem nenhuma explicação.
Já traiu, já se traiu e a mentira existe. Às vezes cobra a verdade, às vezes acredita na mentira. Aliás se questiona sempre a respeito desses e de outros conceitos.
Temia a morte, desejou a morte.
Já se pintou inteira, desenhos desconexos em seu rosto, peito, braços por pura diversão.
Consegue ouvir música por sua beleza sem se lembrar de ninguém.
Já chorou por ver cenas de sublime beleza.
Se diverte sozinha.
Não gosta de Sol, gosta de vê-lo indo embora...
Já tomou vários porres, por farra ou tristeza.
É especialista em monólogos.
Tem crises de vaidade e desleixo.
Gosta do caos e de borboletas.
Vez ou outra desenha apenas para si mesma.
Anda nas ruas prestando atenção nos gestos das pessoas, gosta de observá-las, mas de longe.
Nunca beijou uma mulher, mas amou e ama algumas.
Tem um memória que assusta nos detalhes.
Guarda cheiros na alma e sente o gosto das cores.
E tenta a todo custo, todos os dias viver e escapar da normalidade da sobrevivência. A loucura a atrai.
Não quer pular de pára-quedas, prefere precipícios.
Se afeiçoa aos mendigos, pedintes, trabalhadores de semáforos, não por piedade, mas pela vida que eles possuem e as pessoas comuns não.
Falta-lhe coragem para muita coisa.
Já se importou mais com o trabalho.
Já pediu perdão em público.
Já perdeu pessoas queridas.
Gosta de mãos.
Gostava mais da casa quando tinha menos coisas.
E por hoje tem fome, mas não tem bolachas de chocolate então foi dormir.
segunda-feira, 2 de abril de 2012
Reinvenção
- E quando a angústia antecede a palavra?
- Mas não é isso oque acontece com tudo? Primeiro se é, depois se define. Palavras são meros símbolos, representações daquilo que se é, se foi, se sente...
- E o futuro? Ele não é, não existe ainda, mas é palavreado e essa angústia é futura.
- Se está a pensar, parte de um dado presente, de possibilidades existentes e palavras serão apenas símbolos de um todo sentido.
- "Um todo sentindo", sem sentido...
- Sente sem sentido e se angustia?
- Sabes como sou.
- De você, sei quase nada...
- Não ria. Pressinto, prevejo.
- Quiromancia, astrologia, borras de café, profecia?
- Não brinca.
- Só me preocupa seus olhos, não é tristeza que vejo, é cansaço.
- É que tudo pesa, sufoca.
- Divida ou jogue tudo fora.
- Não posso recomeçar do zero.
- Se morre todos os dias, por que carregar fardos de vidas passadas?
- Por que então continuar de mãos dadas com as alegrias de vidas passadas?
- É diferente.
- Não é.
- Explique-se.
- Não sei, mas não é diferente. A vida não é a mesma toda vez que acordamos, eu sei, mas não se joga a vida passada fora, esquecendo-se de tudo, é parte da liberdade, da escolha, das responsabilidades, das consequências...
- Então escolha.
- Como se fosse fácil.
Era a primeira vez que o silêncio se rompera entre os dois, chovia e só agora se deram conta da música lá fora e ali dentro.
Continuaram deitados, cabeça com cabeça, não se olhavam, mas nesse instante se amaram intensamente.
- Sonhei com chuva essa noite.
- Quer me fazer acreditar em suas previsões?
- Não é isso. Sonhei com chuva e a casa em que eu estava era pequena, rosa, manchas de tempo nas paredes e tinha uma goteira em minha perna. Estava deitada no chão, um colchão velho, uma iluminação linda e música. Eu estava feliz.
- Estava sozinha?
- Fisicamente sim, mas havia uma presença de algo mágico naquele lugar. E agora essa angústia como se eu nunca mais fosse feliz como no sonho.
- Entendo e entendo o porque de ser sem sentido.
Se olharam e se amaram ainda mais.
- O quanto já discutimos sobre felicidade?
- Muitas e sei todos os nossos discursos.
- Te preocupas demais e pouco divide.
- Preciso primeiro entender, depois dividir.
- Divida e entenda. Quer espaço?
- Não, quero sua mão na minha.
já não havia luz, só a chuva, a música e suas mãos dadas.
A angústia...parte daquilo que chamamos liberdade, escolha...
Apesar do amor, a dor, de mãos dadas doía menos, mas ainda sufocava.
- Partir ou ficar?
- Escolhas...ainda há tempo para pensar, por que essa angústia? Estaremos juntos, lembra?
- Mas não é isso. Parte de mim não se encontra em lugar algum. É como se estivesse partido aos pedaços e cada parte em um lugar desconhecido, obscuro.
- E acha que todas essas mudanças, esses lugares diferentes trarão seus pedaços de volta?
- Não, é justamente o contrário, é isso que me desorienta ainda mais. Por isso a angústia. Uma vez me encontrei, mas me perdi, algo me acertou em cheio e as migalhas se espalharam. Talvez se tornaram poeira cósmica e nunca mais se reúnam.
- Se for isso, se reinvente. Tem estrutura para isso. Fica a procura do que se perdeu, não vai encontrar mais nada, nunca mais. Pode voltar ao passado quantas vezes quiser, ele será diferente, terá cores diferentes, pensamentos diferentes, até suas ações não serão mais as mesmas. Jamais se REENCONTRARÁ, mas pode se REINVENTAR com as peças que tem em mãos e são peças lindas, mesmo desconectadas.
A chuva trouxera o frio aquecendo seus corações.
A única luz que irradiava era dos seus olhos, ambos brilhavam intensos, profundos, como os sentimentos que a invadiam com uma força brutal, a força da criação, de um parto. Porém a leveza da primavera em seu sorriso.
- Partir ou ficar?
- Viver, eu escolho viver, cada dor, cor, sabor, amor, calor, ardor. Partir ou ficar pode esperar.
- Boa escolha.
E se amaram como nunca se amaram antes ou depois.
- E quando a angústia antecede a palavra?
- Mas não é isso oque acontece com tudo? Primeiro se é, depois se define. Palavras são meros símbolos, representações daquilo que se é, se foi, se sente...
- E o futuro? Ele não é, não existe ainda, mas é palavreado e essa angústia é futura.
- Se está a pensar, parte de um dado presente, de possibilidades existentes e palavras serão apenas símbolos de um todo sentido.
- "Um todo sentindo", sem sentido...
- Sente sem sentido e se angustia?
- Sabes como sou.
- De você, sei quase nada...
- Não ria. Pressinto, prevejo.
- Quiromancia, astrologia, borras de café, profecia?
- Não brinca.
- Só me preocupa seus olhos, não é tristeza que vejo, é cansaço.
- É que tudo pesa, sufoca.
- Divida ou jogue tudo fora.
- Não posso recomeçar do zero.
- Se morre todos os dias, por que carregar fardos de vidas passadas?
- Por que então continuar de mãos dadas com as alegrias de vidas passadas?
- É diferente.
- Não é.
- Explique-se.
- Não sei, mas não é diferente. A vida não é a mesma toda vez que acordamos, eu sei, mas não se joga a vida passada fora, esquecendo-se de tudo, é parte da liberdade, da escolha, das responsabilidades, das consequências...
- Então escolha.
- Como se fosse fácil.
Era a primeira vez que o silêncio se rompera entre os dois, chovia e só agora se deram conta da música lá fora e ali dentro.
Continuaram deitados, cabeça com cabeça, não se olhavam, mas nesse instante se amaram intensamente.
- Sonhei com chuva essa noite.
- Quer me fazer acreditar em suas previsões?
- Não é isso. Sonhei com chuva e a casa em que eu estava era pequena, rosa, manchas de tempo nas paredes e tinha uma goteira em minha perna. Estava deitada no chão, um colchão velho, uma iluminação linda e música. Eu estava feliz.
- Estava sozinha?
- Fisicamente sim, mas havia uma presença de algo mágico naquele lugar. E agora essa angústia como se eu nunca mais fosse feliz como no sonho.
- Entendo e entendo o porque de ser sem sentido.
Se olharam e se amaram ainda mais.
- O quanto já discutimos sobre felicidade?
- Muitas e sei todos os nossos discursos.
- Te preocupas demais e pouco divide.
- Preciso primeiro entender, depois dividir.
- Divida e entenda. Quer espaço?
- Não, quero sua mão na minha.
já não havia luz, só a chuva, a música e suas mãos dadas.
A angústia...parte daquilo que chamamos liberdade, escolha...
Apesar do amor, a dor, de mãos dadas doía menos, mas ainda sufocava.
- Partir ou ficar?
- Escolhas...ainda há tempo para pensar, por que essa angústia? Estaremos juntos, lembra?
- Mas não é isso. Parte de mim não se encontra em lugar algum. É como se estivesse partido aos pedaços e cada parte em um lugar desconhecido, obscuro.
- E acha que todas essas mudanças, esses lugares diferentes trarão seus pedaços de volta?
- Não, é justamente o contrário, é isso que me desorienta ainda mais. Por isso a angústia. Uma vez me encontrei, mas me perdi, algo me acertou em cheio e as migalhas se espalharam. Talvez se tornaram poeira cósmica e nunca mais se reúnam.
- Se for isso, se reinvente. Tem estrutura para isso. Fica a procura do que se perdeu, não vai encontrar mais nada, nunca mais. Pode voltar ao passado quantas vezes quiser, ele será diferente, terá cores diferentes, pensamentos diferentes, até suas ações não serão mais as mesmas. Jamais se REENCONTRARÁ, mas pode se REINVENTAR com as peças que tem em mãos e são peças lindas, mesmo desconectadas.
A chuva trouxera o frio aquecendo seus corações.
A única luz que irradiava era dos seus olhos, ambos brilhavam intensos, profundos, como os sentimentos que a invadiam com uma força brutal, a força da criação, de um parto. Porém a leveza da primavera em seu sorriso.
- Partir ou ficar?
- Viver, eu escolho viver, cada dor, cor, sabor, amor, calor, ardor. Partir ou ficar pode esperar.
- Boa escolha.
E se amaram como nunca se amaram antes ou depois.
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