terça-feira, 17 de abril de 2012

Paredes Azuis


É lá que ia todos os dias. Ruas sujas, cheiro de esgoto, principalmente em época de calor, quando o cheiro e o mormaço subiam do asfalto e penetravam o corpo. Mas já estava acostumado.
Abria o portão e tudo mudava. O cheiro, as cores, o clima. Havia flores o ano inteiro, era fresco e o perfume que exalava o inebriava.
A porta estava sempre aberta, tudo sempre no mesmo lugar. Paredes azuis, quadros reproduzindo obras nunca vistas, meticulosamente dispostos nas paredes. Tudo muito limpo, preciso, exato.
Chegava sempre à mesma hora, sentava-se e esterava exatos sete minutos quando ela aparecia e lá permanecia por exatas quatros horas.
Toda precisão, toda rotina, eram quebradas durante esse tempo em que o próprio tempo era esquecido.
Um dia ela aparecia como uma santa, anjo iluminado e voavam juntos entrelaçados.
Outro dia aparecia como viúva, toda de negro, profunda e juntos choravam a morte que devia ser chorada, enterravam o que havia de ser enterrado e sofriam a dor desse luto eterno.
Outro dia aparecia como o demônio e o possuía, devorava, corpo e alma que ardiam com o fogo que saía de sua boca.
Outro dia aparecia como puta, entregando seu corpo, sem beijo, sem alma, objeto pago e cobrava alto.
Outro dia aparecia muda, apenas seus gestos falavam e dançavam, sorriam, se tocavam.
Outro dia aparecia e se falavam, falavam até esgotarem as palavras e continuarem repetindo as palavras antes ditas.
Outro dia aparecia furiosa, selvagem, quebrava as coisas, batia-lhe a face, xingava, mordia-lhe, arranhava-lhe o corpo todo.
Outro dia aparecia e se pintava, todo seu corpo, o corpo dele, as paredes, o chão e no outro dia tudo estava no lugar como antes, mas não ela.
Outro dia aparecia e apenas dormia e sonhava que era criança a querer colo, a soluçar um choro de joelho ralado na rua.
Outro dia aparecia se cortava e ele bebia-lhe o sangue que escorria.
Outro dia aparecia e se olhavam, sem piscar, a desvendar todos os segredos expostos em seus rostos.
E assim eram os seus dias, à mesma hora percorria as ruas sujas daquele lugar, abria o portão e entrava em um mundo do qual não sabia o que esperar a não ser as paredes azuis.

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