quinta-feira, 26 de julho de 2012

Flores Mortas



Sempre pensou “a vida é uma sonho” e agora desejava acordar deste sonho.
Lembranças a atormentavam, algumas delas tinha vivido com toda intensidade, se entregado de corpo e alma e agora tentava, com toda força do teu ser, esquecê-las. Outras eram seus castelos de areia, construídos a cada manhã, a cada noite. Sonhos e realidades que já não se distinguiam.
Palavras infinitas foram sendo construídas, misturadas à areia de seus castelos. Apegou-se a essas palavras com uma fé cega, fé infantil, de contos de fadas e desejou como só um ser dominado pela paixão deseja.
O tempo... Para ela, o agora, o instante. Para ele, um dia, quem sabe. Para ela, não havia mais tempo para perder tempo. Para ele, ah, se eu tivesse mais tempo.
Desencontros, desencantos.
A dúvida e a incerteza são companheiras em todos os dias. Todos estão perdidos, jogados ao acaso e à surpresa. Ela se encantava com toda a surpresa, pois via a beleza chegar de repente e não queria perder nada ao piscar os olhos. Ele, perdido, não se conformava em não descobrir o caminho e não vivia. Anular a vida era algo impensável para ela e decidiu se perder do labirinto dele.
As palavras que antes ergueram as muralhas de seu castelo tornaram-se as águas que o desmancharam e o tardio adeus foi escrito e enviado.
Mas a vida é um sonho e nele se encontraram. Perdidos pelas ruas da cidade, unidos por um silêncio profundo, sepulcral, quebrado por um riso irônico, sarcástico dele e por gritos desesperados e inaudíveis dela. Talvez ela gritasse tudo o que ficara engasgado, talvez ele risse apenas por gosto de vê-la em fúria. Como saber? As únicas certezas eram a fumaça sufocante que exalava daquele riso e o desespero dos gestos dela.
Ele queria um caminho naquele emaranhado de ruas, sabia agora onde queria chegar, ela lhe mostrava o caminho que ele teimava em não encontrar. Fumaça, desespero e riso.
Chegaram, enfim, a um lugar comum, mas suas almas já haviam se desencontrado há tempos. A presença daquele corpo a incomodava, o desespero a consumia, mas as palavras haviam abandonado ela de vez, já não tinha forças, apenas desejava, desejava não vê-lo, não ver aquele sorriso, aqueles olhos que um dia quis. Aquela presença a sufocava, aquele escuro abafado a angustiava. O lugar que deveria inspirar balões coloridos, presentes, brigadeiros, bolo e crianças correndo e sorrindo estava habitado por um único riso sujo e flores mortas.
As flores mortas, murchas, secas nas mãos desesperadas dela tinham a obrigação de se converterem em uma alegria infante, mas tudo estava morto e ela não tinha forças, nem palavras.
Foi o desespero que a tirou dali e foi esse mesmo desespero que fez com que ele a seguisse. Quanto mais ela desejava distância, mais ele se aproximava.
A noite esfumaçada encobria a cidade e pelas ruas apenas os dois e o desejo dela  de se livrar dele, de acordar daquela vida.
Ele cada vez mais perto, as palavras cada vez mais distantes, já não havia nem o grito silencioso de seu desespero, mas ainda persistia aquele riso imundo na boca dele. A alcançou, a segurou. Queria de volta o estado permanente do caminho não encontrado, queria de volta aquela fé cega que ela lhe entregara, queria lhe impor sua falta de tempo, o estado mórbido das palavras jogadas ao vento, sua prontidão a ouvir seus pesares e desamores.
Mas já não havia nenhuma palavra, nem de encanto, nem de raiva, sem forças, ela se entregou aquele riso,  àquela boca. Boca morta, beijo morto, como as flores que há pouco segurava. Beijo que sugava o que lhe restava de belo em sua alma. Asco e ânsia se espalhavam pelo seu corpo, sentia a podridão morta daquele riso a lhe descer pela garganta.
Boca morta, flores mortas, alma morta.
Já era dia, havia uma lágrima a lhe escorrer a face, um gosto de morte na boca e, em suas mãos, flores mortas. Arremessou as flores em uma cova profunda e tratou de cuidar das flores vivas no jardim.  

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